quarta-feira, 29 de abril de 2009

Tiradentes e a evolução do Direito Penal

por Eduardo Sens dos Santos
Promotor de Justiça do Ministério Público de Santa Catarina

Quando estive em Ouro Preto, Minas Gerais, tive a oportunidade de conhecer mais detalhes do processo judicial movido contra Tiradentes. O processo está exposto no Museu da Inconfidência, e com algum esforço pode-se decifrar a caligrafia e a redação judicial antiga. Li o que pude e me socorri nas explicações do guia e do próprio museu.

Tiradentes foi condenado em 1792 por revoltar-se contra os impostos cobrados naquele tempo. Além de revoltar-se, pretendia algo muito grave para a época: libertar o Brasil de Portugal. Condenado, foi decapitado e seus braços e pernas espalhados por diversas cidades.

Este fato histórico faz pensar na evolução do Direito Penal e da pena nestes mais de duzentos e dezessete anos da condenação do alferes. Naquela época, as penas eram severíssimas e muitas vezes executadas sumariamente, sem o menor direito de defesa. Algo absolutamente impensável e indefensável hoje.

Com o Iluminismo e a democratização dos procedimentos judiciais em todo o mundo, o processo passou a ser um palco de discussões sadias (às vezes nem tanto!) sobre fatos e direitos. Hoje um órgão oficial, técnico, independente e imparcial é incumbido da acusação (o Ministério Público). O julgamento é sempre público e realizado por um juiz com formação em direito, também independente, imparcial e técnico. O réu tem que necessariamente estar assistido por advogado de sua escolha e tem diversos prazos para defesa e inúmeros recursos à sua disposição.

Evoluções começam por extremos até que a poeira assente e se chegue ao meio termo. Neste tema, estamos, ainda, no meio daquela evolução, justamente no outro extremo. Atualmente, por exemplo, um condenado por homicídio doloso (com intenção) fica em média um ano e oito meses efetivamente preso, apesar de a sentença lhe ditar seis anos de reclusão. Outros crimes que também geram consequências graves, como a ameaça de morte, furtos, inclusive qualificados, e as lesões corporais, geralmente nem cadeia dão: a lei dá ao réu o direito de prestar serviços à comunidade.

Minha opinião é a de que de um extremo (penas crueis), passamos ao outro extremo: o do direito penal excessivamente brando, frouxo e desatento à situação da vítima. Falta ainda chegar ao ponto de equilíbrio.

Não pretendo com isso dizer que a pena deva voltar a ser cruel. De modo algum! O que apenas choca é que a legislação brasileira ainda é extremamente benéfica em relação às sanções aplicáveis ao réu, assegura recursos excessivos e torna a tarefa de aplicar a lei cada vez mais complexa, difícil e trabalhosa. Tudo em benefício da criminalidade, que hoje não vê mais limite algum e, pela falta de exemplo, desafia a tudo e a todos.

Depois da triste notícia de mais um homicídio em Seara, justamente na Semana Santa, o peso dos 217 anos da condenação de Tiradentes obriga à reflexão.

Nenhum comentário:

Postar um comentário